sexta-feira, 18 de setembro de 2009

ESCALAS DE GRANDEZA ESPACIAL NO ESTUDO GEOMORFOLÓGICO I

Tricart, no seu tratado metodológico de geomorfologia (Principes e méthodes de la Geomorpholoqie), faz a seguinte análise classificatória dos fatos geomorfológicos, segundo escalas de grandeza definidas por categorias especiais de fatos:

Primeira ordem de grandeza (ou escala global) — abrangendo grandes áreas. Ë mais relacionada à Geofísica. Considera as formas da terra (sic) como um todo e a sua maior divisão em terras e águas. O estudo está no nível dos antagonismos: forças internas (divisão entre continentes e bacias oceânicas) e externas (divisão em zonas morfoclimáticas). Escala de 106 anos em tempo.

Segunda ordem de grandeza definidas pelas unidades estruturais, que caracterizam as subdivisões das grandes zonas morfoclimáticas do globo. Regiões de escudos antigos, dorsais, faixas orogênicas, bacias sedimentares. Também definidas pelas subdivisões ecológicas das zonas morfoclimáticas: meio glaciar e periglaciar da zona fria; meio permanentemente úmido e de savanas da zona intertropical. Dimensão da ordem de milhões de quilômetros quadrados. Os problemas ainda são focalizados em conjunto e sob o aspecto tectônico-estrutural e pelo aspecto global das formas, sob diferenças morfoclimáticas.

Terceira ordem de grandeza unidades menores. Dezenas de milhares de quilômetros quadrados. A paisagem é estudada do ponto de vista de sua evolução, com ênfase nos estágios de desnudação. As pequenas unidades estruturais são focalizadas nesse tipo de abordagem: maciços antigos da Europa Herciniana, bacias sedimentares brasileiras.

Quarta ordem de grandeza — corresponde a unidades de centenas de quilômetros quadrados.

São ainda analisadas do ponto-de-vista estrutural. Trata-se de pequenas unidades estruturais dentro de unidades maiores, regiões de compensação isostática que se individualizam em áreas de tendência oposta. Exemplo, o maciço de Poços de Caldas no Planalto da Mantiqueira: os Pré-Alpes franceses na Cadeia Alpina, a fossa da Limagne no maciço central francês.

Quinta ordem de grandeza — unidades de alguns quilômetros quadrados de superfície. São relevos que se estudam bem em mapas na escala de 1:20.000. Exemplo: escarpas de falhas: relevos de cuesta localizados: anticlinais: sinclinais, cristas apalachianas, etc. Essas unidades se manifestam pela ação da litologia e da erosão diferencial.

Enquanto as unidades superiores correspondem principalmente a forças tectônicas, essas correspondem a influência estrutural passiva. A erosão desempenha aqui o papel principal. Na mesma escala estão pequenas formas esculturais ou de acumulação: circo glaciar, bacia de recepção, morainas, deltas médios.

Sexta ordem de grandeza — superfície de centenas de metros quadrados. Raramente são acidentes tectostatícos. Nessa escala o modelado se individualiza, principalmente, pelos processos erosivos e por condições várias criadas pela litologia. Formas como: tálus, patamares, colinas, cones de dejeção, etc. As influências tectônicas não aparecem de maneira direta

Sétima ordem de grandeza — são as microformas. Escala do decímetro ao metro Relação muito estreita com os processos de esculturação ou de deposição. Formas como lapiez, taffonis, placas de descamação, matacões, etc.

Oitava ordem de grandeza — Formas menores que 1 km2, podendo ir do milímetro ao mícrom. As observações são feitas com aparelhos. Essa escala corresponde ao limite do campo da geomorfologia. Mas o estudo dessa dimensão é indispensável para a análise dos processos e identificação dos mecanismos morfogenétlcos. Trata-se, antes, de objetos da sedimentologia e pedologia, mas, cujo conhecimento e estudo se faz necessário para a Geomorfologia. Em se tratando de formas: poros de rochas, picotamento de corrosão química etc.

A aplicação dos métodos será feita de acordo com as ordens de grandeza dimensional. Exemplo: métodos de análise sedimentológica para fatos de 8ª ordem de grandeza; a cartografia geomorfológica só é válida até escalas de 1:25.000. Os métodos geofísicos não explicariam as diferenças entre flancos de um mesmo vale, mas se enquadrariam bem nas escalas iguais ou superiores a 4ª ordem.

Essa classificação taxonômica e genética constitui um instrumento para esclarecer relações de causalidade entre fatos diferentes.

Fonte: PENTEADO, M.M. Fundamentos de Geomorfologia. Rio de Janeiro: FIBGE, 1980.3ª ed.p.8-9

TENDÊNCIAS RECENTES EM GEOMORFOLOGIA

Algumas das tendências significativas das últimas décadas são: 1) uma tendência para que a geomorfologia, ao menos nos EUA, seja mais geológica que geográfica como resultado de: a) um acréscimo da aplicação de outras fases da geologia nos estudos geomórficos, como por exemplo da mineralogia no estudo do intemperismo; de métodos estratigráficos em paleogeomorfolgia e as técnicas paleontológicas nos estudos dos depósitos glaciais; e b) um declínio do interesse do geógrafo pela geografia física, à medida que aumenta sua dedicação à geografia humana; 2) o desenvolvimento da geomorfologia regional, a qual tenta dividir os continentes em áreas de características e história geomórfica similares; 3) um reconhecimento crescente das aplicações práticas dos princípios geomórficos a campos tais como hidrogeologia, pedologia e geologia aplicada à engenharia; e 4) o alvorecer da etapa quantitativa e experimental com ensaios de aplicação das leis da hidrodinâmica para um conhecimento melhor dos processos geomórficos. Tanto nos Estados Unidos como em outros países, foram instalados laboratórios experimentais nos quais se tem tentado determinar com a maior precisão a aplicação das leis hidráulicas à ação das ondas, as correntes e os rios. Nestes laboratórios, os engenheiros têm realizado mais trabalhos que os geólogos, com o resultado de que o êxito de alguns trabalhos ainda não tenha sido compreendido em sua totalidade pelos geomorfólogos.

Ninguém põe em dúvida a necessidade de incrementar as tarefas quantitativas no campo da geomorfologia. Demasiadas conclusões foram deduzidas de dados quantitativos inadequados. Existe certo perigo, que deve ser reconhecido e previsto, nas exigências de alguns para uma geomorfologia quantitativa. Devemos tomar cuidado para que a geomorfologia não seja tragada pela matemática, a física e a química, que deixe de ser o estudo das formas do relevo terrestre. Às vezes, as formas e as equações elaboradas podem parecer um complemento à erudição, a uma discussão, mas contribuem pouco para a interpretação real das características descritas. Devemos evitar a idolatria da discussão matemática. Na realidade é questionável que os numerosos fatores variáveis envolvidos na origem das paisagens complexas possam alguma vez ser reduzidos a equações matemáticas. Como disse Baulig (1950), “as leis da geomorfologia são complexas, relativas e raramente suscetíveis de expressão numérica”. É de pensar que para o entendimento das discussões geomórficas jamais será o mais essencial o conhecimento da matemática, da física e da química que a avaliação cabal da litologia, da estrutura geológica, da estratigrafia, da história diastrófica e da influência climática.

FIM DO TEXTO.

Se a publicação deste texto causar algum problema é só entrar em contato que o retiraremos do blog imediatamente.

DEPOIS DE HUTTON

Depois de Hutton

Progresso na Europa – Charles Lyell (1797–1875) chegou a ser o representante máximo do uniformitarismo e, através de suas séries de livros-texto, provavelmente fez mais pelo progresso desse princípio e do conhecimento geológico em geral do qualquer outra pessoa. No entanto, não pode aceitar o significado total da erosão fluvial, tal como foi concebida por Hutton, por que, na décima primeira edição de seus Principles of Geology (1872) encontramos a seguinte manifestação: “É provável que poucos grande vales em qualquer parte do mundo tenha sido escavado pelas chuvas e águas correntes somente. Durante pare de sua formação, os movimento subterrâneos prestaram seu auxílio, acelerando o processo de erosão”.

Na Europa, um dos progressos mais significativos do século dezenove foi o reconhecimento da evidência de uma idade glacial durante a qual mantos de gelo cobriram a maior parte da Europa setentrional. A pessoa a quem geralmente se atribui o mérito de haver estabelecido este fato é Louis Agassiz (1807-1873). Talvez seu maior mérito seja o de haver estabelecido sua validade, mas várias pessoas, a quem raramente se lhes atribui tal mérito, anteciparam suas conclusões. A idéia de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo mais amplo era comum entre os camponeses suíços, que observavam morenas nos vales por sob as partes terminais dos glaciares atuais. Playfair, ao efetuar uma viagem aos montes Jura em 1815, reconheceu a possibilidade de que grandes blocos ali presentes pudessem ter sido transportados por glaciares alpinos. Em 1821, um engenheiro suíço, de apelido Venetz, manifestou sua crença de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo muito mais amplo, e em 1824, Esmark, na Noruega, expressou as mesmas idéias referente aos glaciares neste país. Em 1829, Venetz lançou a opinião de que provavelmente os glaciares se estenderam até as planícies baixas. Bernhardi publicou na Alemanha, em 1832, um trabalho no qual supunha a presença anterior de mantos de gelo continental. Em 1834, um colega de Venetz, John Carpentier, deu a conhecer um informe no qual concordava com as conclusões de Venetz. Foi principalmente de vido a Carpentier que Agassiz mostrou interesse pela glaciação. Era cético referente às conclusões a que se havia chegado, mas convinha visitar a área na qual Venetz e Carpentier haviam estado trabalhando. Em 1836 visitou o setor e, ainda que chegasse cético, quando regressou era um convertido às idéias de Carpentier. Convenceu-se de que não havia chegado suficientemente longe em suas conclusões. Em 1837 leu um trabalho ante a Sociedade Helvética, a essência do qual se publicou em 1840 como Estudo sobre os glaciares; nesse trabalho proclamou seu conceito de um grande período glacial. Sobreveio certo distanciamento entre estes dois homens porque Carpentier acreditava que Agassiz deveria Ter postergado a publicação de seu trabalho até houvesse aparecido o seu, o que não ocorreu senão em 1841. Embora bem pudesse haver alguma dúvida referente a se se deverá proclamar a Agassiz como o pai do conceito de glaciação continental, não há dúvida alguma de que foi devido a seus esforços infatigáveis que finalmente se reconheceu o fato da grande idade do gelo. Já em 1870 sua validade estava bastante aceita, e se começava a reconhecer a multiplicidade da glaciação, embora a oposição a esta idéia continue até muito tarde como 1905.

A importância da abrasão marinha foi considerada com ênfase por geólogos tais como André Ramsay (1814-1891) e o Barão von Richthofen (1833-1905). Ramsay descreveu o que acreditava ser uma planície de abrasão marinha no higlands de Gales e sudoeste da Inglaterra, e Richthofen apoiou a idéia da importância da erosão marinha baseada em testemunhos observados duranrte suas viagens pela China.

Jukes, em 1862, apresentou um trabalho, que com o tempo resultou clássico, sobre os rios do sul da Irlanda, no qual reconheceu a presença de dois tipos principais de cursos: rios transversais, que fluem através da estrutura geológica, e os rios longitudinais, que se desenvolvem ao largo das falhas de rochas mais frágeis, paralelas à estrutura ou ao rumo dos estratos de rochas. Acreditava que os sulcos longitudinais se desenvolviam posteriormente aos rios transversais e, por conseguinte, deveriam ser reconhecidos como rios subseqüentes. Estas idéias, como veremos logo, tornaram-se básicas na filosofia do desenvolvimento dos rios. Também reconheceu que aparentemente um curso podia privar a outro de parte de sua bacia mediante um processo que agora denomina-se captura.

Livros de texto que por seu fim se podem considerar geomórficos começaram a aparecer no último terço do século dezenove. Em 1869, Peschel tentou unir os princípios do desenvolvimento das formas do relevo de maneira sistemática, e tentou essencialmente uma discussão genética delas. Richthofen, em 1886, logrou um avanço maior nesta realização. A. Penck, em 1894, publicou sua Morfologia da Superfície Terrestre, que é principalmente um tratamento genético das formas do relevo terrestre. Assim, na Europa. Ao findar o último século, se havia acumulado uma quantidade suficiente de conhecimentos como para dar lugar a um ramo especial da geologia denominado geologia fisiográfica.

Desenvolvimento nos Estados Unidos da América. Zittel (1901) refere-se ao período situado entre 1790 e 1820 como “a idade heróica da geologia”. Bem podemos nos referir ao período entre 1875 e 1900 como “a idade heróica da geomorfologia norte americana”, porque durante este quarto de século se desenvolveu a maioria dos grandes conceitos deste ramo da geologia. Em grande parte estas eram conseqüências diretas ou indiretas do trabalho de um grupo de geólogos relacionados aos levantamentos geológicos do oeste dos Estados Unidos, iniciados depois da guerra civil. Em particular podem ser mencionados três homens, que realizaram trabalhos intelectuais pioneiros no campo geomorfológico. Foram eles o major John Wesley Powel (1834 –1912), Grove Karl Gilbert (1843–1918) e Clarence E. Dutton (1841–1912). Estas pessoas, junto com outras, prepararam coletivamente o fundamento sobre o qual posteriormente William Morris Davis edificaria o conceito de ciclo geomórfico.

Não é demasiado dizer que o major Powel, veterano da guerra civil e o primeiro conquistador dos rápidos traiçoeiros do cañyon do Colorado, sobre a base de seu trabalho nas mesetas do Colorado e dos montes Uinta, estabeleceu os fundamentos para a escola norte americana de geomorfologia. Davis ao descrever as contribuições de Powel, manifestou que em mais de um sentido “era um homem de vanguarda dentro da ciência. Sua vida revela o trabalho enérgico de uma personalidade vigorosa e independente, não travada pelos métodos tradicionais e não tão profundamente versado em história, nem no conteúdo e nas técnicas das ciências, como para ser guiado por eles, mas impelido até o descobrimento rápido de novos princípios por inspiração de regiões até então inexploradas”.

Sobre a base dos seus estudos nos montes Uinta, Powel foi impressionado pela importância da estrutura geológica como uma base para a classificação das formas da crosta terrestre. Dedicou muita atenção aos resultados da erosão fluvial e propôs duas classificações de vales fluviais: 1) baseado nas relações entre os vales e os estratos que cruzam; e 2) uma classificação dos vales de acordo com a sua origem. Nesta última classificação reconheceu vales antecedentes, conseqüentes e sobreimpostos, termos que todavia hoje são empregados amplamente ao descrever vales. Das generalizações de Powel, provavelmente a de difusão mais ampla é seu conceito de um nível limite de redução terrestre, ao que denominou nível de base. Antes de Powel, ninguém havia se aventurado a considerar a esculturação do terreno por chuvas e rios mais além do que hoje denominamos de maturidade avançada no ciclo geomórfico, mas Powel reconheceu que os processos de erosão, que atuam lentamente sobre o terreno, eventualmente haveriam de reduzi-lo a um a terra baixa pouco acima do nível do mar. Ficou para Davis sugerir posteriormente a denominação peneplanície para tal área, mas a idéia de peneplanície foi antecipada em grande parte por Powel. Além disso, reconheceu que as grandes discordâncias nas rochas do Grand Cañyon do Colorado registravam períodos geologicamente antigos de erosão terrestre. Powel também notou as diferenças geomórficas entre as escarpas resultantes da erosão e produzidas por deslizamentos de rochas (escarpas de falhas, como se denomina hoje em dia). Reconheceu que os divisores de águas migram, mas ficou para Gilbert dar-se conta cabal de todas as conseqüências deste fato.

G. K. Gilbert merece reconhecimento como o primeiro geomorfólogo verdadeiro produzido nos E.U.A. Ainda que suas crenças fossem universais, estava interessado antes de tudo na geologia fisiográfica. A ele somos devedores por sua aguda análise dos processos de erosão subárea e as numerosas modificações que os vales sofrem à medida que os rios erosionam o terreno. Reconheceu particularmente a importância da erosão lateral dos rios no desenvolvimento dos vales. Seus estudos dos entulhos hidráulicos de mineração, na Califórnia, representaram uma das primeiras tentativas de aproximação quantitativa das relações entre a carga de um rio e fatores tais como volume, velocidade e gradiente do mesmo. Sua interpretação da história pleistocênica do Lago Bonnevillle, o antecessor do Grande Lago Salgado, a partir de um estudo de suas linhas de margens e desagues, perdura como um dos clássicos da geologia norte americana. Igualmente famosa é sua explicação dos Montes Henry, em Utah, como resultado da erosão de corpos intrusivos, aos quais denominou lacólitos. Foi o primeiro a citar provas geomórficas a origem de um bloco de falha da topografia da região da Grande Bacia.

Dutton é lembrado especialmente por sua análise penetrante das formas terrestres individuais e seu reconhecimento de evidências de um período de redução terrestre que precedeu a incisão dos canyons presentes, quando a paisagem havia sido reduzido a um relevo baixo na área da meseta do Colorado. Esta época erosiva foi denominada de “a grande denudação”

Davis – “o grande definidor e analista”. O efeito de W. M. Davis (1850–1934) sobre a geomorfologia foi maior do que a de qualquer outra pessoa. A escola davisiana de geomorfologia e a escola norte americana são denominações praticamente sinônimas. Basicamente, Davis foi um grande definidor, analista e sistematizador. Antes de seu tempo, a descrições geomórficas se faziam em sua maioria em termos empíricos. Ainda mais importante do que os numerosos conceitos novos que ele introduziu está o fato de que inspirou vida nova à geomorfologia pela introdução de seu método genético de descrição das formas do terreno. Provavelmente seja lembrado mais pelo seu conceito de ciclo geomórfico, uma idéia talvez vagamente vislumbrada por Desmarest, cuja análise mais simples inclui o conceito de que na evolução das paisagens há uma seqüência sistemática de formas do relevo que torna possível o reconhecimento de estados de desenvolvimento, uma seqüência que ele denominou de juventude, maturidade e velhice ou senectude. Sua idéia de que as diferenças nas formas da crosta são em sua maioria explicáveis em termos de diferenças na estrutura geológica, processos geomórficos e estado de desenvolvimento, arraigou firmemente no pensamento da maioria dos estudiosos das formas do relevo.

Durante a terceira e quarta décadas do século vinte, Walter Penck e seus discípulos levara a cabo uma rebelião contra algumas das idéias de Davis, encontrando alguns adeptos. Na maior parte do seu desenvolvimento da idéia de ciclo geomórfico, como este é afetado pela água corrente, Davis supôs que um levantamento inicial relativamente rápido do terreno pode ser seguido por um período de estabilidade, o qual permite ao ciclo seguir seu curso, culminando com a redução do terreno a uma condição quase sem relevo. Penck e outros sustentaram que esta não é uma seqüência normal, mas que mais comumente o levantamento do terreno no começo de um período de ascensão é extremamente lento, sendo seguido por um grau acelerado de soerguimento, o qual impediria a paisagem de passar através dos estágios de desenvolvimento que terminariam numa região de relevo baixo. Vários geólogos norte americanos, particularmente os da “faixa móvel” da costa do Pacífico, têm sido céticos com respeito à suposição de que a superfície terrestre alguma vez tenha se mantido estável por tempo suficiente como para permitir a um ciclo proceder sua conclusão.

Apesar da objeções que tem surgido a algumas das idéias de Davis, na realidade não se pode negar que a geomorfologia provavelmente conservará sua marca por mais tempo que a de qualquer outra pessoa.

Fenneman (1939) descreve brevemente as diversas etapas pelas quais tem passado o pensamento geomórfico nestas palavras:

O entendimento do trabalho da chuva e da água corrente pode ser considerado em três etapas, ou quatro, se contamos a concepção primitiva das “serras perpétuas” que ainda hoje domina o pensamento de muitas pessoas… Seguiram três avanços: primeiro apareceu o simples fato universal da degradação tal como era conhecida por algumas pessoas do mundo antigo e outros até o século dezoito. Logo veio a proposição audaciosa de que os rios cavam seus próprios vales. Parece muito simples, mas significa que a topografia é principalmente esculpida e não edificada (isto é, é talhada e não levantada). Alguns gregos, romanos e árabes perceberam isto, e James Hutton, que faleceu em 1797, o compreendeu claramente. Seu amigo e intérprete, John Playfair, o expressou numa prosa ainda não superada, embora fosse algo nebuloso para Lyell ou para nós. Até então no mundo geológico (até onde o soubemos) este princípio não deixou de ser discutido desde o tempo da guerra civil. A duras penas pode ocupar seu lugar entre os dados fundamentais da ciência quando chegou a terceira etapa, na qual a água em movimento não atua ao acaso, esculpindo vales ao azar e deixando colinas distribuídas de maneira fortuita, mas que trabalha de acordo com um padrão cujas especificações são características como as costuras de um nautilo [molusco do oceano Índico] ou a nervura de uma folha. Esta é a etapa da fisiografia moderna ou geomorfologia.

Certamente Davis desempenhou o papel principal na consecução desta última etapa.

Deste resumo do desenvolvimento da idéias geomórficas sobressaem duas coisas. A primeira, é que podemos denominar o elemento tempo. Muitas idéias deixaram de ser aceitas no momento de ser propostas porque estavam “adiantadas em relação ao seu tempo”. Como exemplo disto, podemos tomar os vários séculos que precederam a Hutton. Várias pessoas (Palissy, Perrault, Buffon, Desmarest e outros) tiveram os germes da idéias modernas, mas suas idéias não puderam ser levadas a uma conclusão lógica ou esperar um auditório disposto a recebê-las embora o “clima intelectual” da época fosse desfavorável. A aceitação da capacidade dos processos erosivos para modelar a superfície terrestre foi impossível enquanto se considerasse a idade da Terra como de uns 6.000 anos aproximadamente. Até que nascesse o método indutivo com sua dependência da observação e da experimentação antes que de autoridade reconhecida, idéias semelhantes às sustentadas por Hutton não tiveram muita possibilidades de ser tomadas a sério.

Segundo, podemos notar que, embora comumente atribuímos algum conceito novo a uma pessoa, encontramos que quase sempre o trabalho básico tem sido realizado por outros, que na maioria dos casos não recebem o crédito merecido. Pode ser conveniente pensar que o desenvolvimento do pensamento geológico é devido a uns poucos homens, mas não devemos perder de vista que na realidade é o resultado da contribuição de inúmeros indivíduos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

OS ALBORES DAS IDÉIAS GEOMÓRFICAS MODERNAS II

Hutton e Playfair. James Hutton (1726–1797) nasceu em Edimburgo, Escócia, e foi educado como médico, mas interessou-se pelas ciências, especialmente a química e a geologia. Talvez seja mais famoso pelo papel que desempenhou como dirigente de um grupo conhecido como os Plutonistas, o qual sustentava que o granito era de origem ígnea, em contraposição à escola Werneriana, conhecida como os Netunistas, que acreditava que o granito era um precipitado químico. Também reconheceu a evidência do metamorfismo das rochas, mas sua contribuição maior consistiu em expor o conceito de que “o presente é chave do passado”, estabelecendo assim a doutrina do uniformitarismo em oposição à do catastrofismo. As idéias de Hutton foram apresentadas pela primeira vez no trabalho lido perante a Real Sociedade de Edimburgo em 1785, o qual apareceu, três anos mais tarde, no volume I dos Transactions desta Sociedade, com o título Teoria da Terra, ou uma Investigação das Leis Observáveis na Composição, Dissolução e Restauração do Terreno Sobre o Globo. Em 1795, suas idéias apareceram em forma mais ampla em um livro de dois volumes intitulado Teoria da Terra, com Provas e Ilustrações. Esta edição foi de tiragem limitada e cara. Possivelmente as idéias de Hutton teriam sido perdidas ou demorado muito a serem aceitas, não fosse por que seu amigo John Playfair (1748–1819), professor de matemática e filosofia em Edimburgo, depois do insucesso de Hutton publicou, em 1802, sua Ilustrações da Teoria Huttoniana da Terra onde elaborou e ampliou os princípios de Hutton em forma de prosa científica, poucas vezes igualada pela sua clareza e beleza de expressão. Este livro era também menor e mais barato que o de Hutton e, por conseguinte, mais amplamente lido. Nele, Playfair apresentou as idéias e conclusão de Hutton tão claramente que seu efeito foi enorme, particularmente sobre Charles Lyell, quem posteriormente seria o grande representante do uniformitarismo.

Hutton projetou tanto no passado como no futuro os resultados dos processos que observou em ação. Ficou impressionado com a evidência do desgaste do terreno por processo mecânico e químicos. Outros, antes de Hutton, haviam observado isto, mas não captaram as inferências que foram contempladas por Hutton, com a exceção possível de Desmarest. O conceito de um sistema de rios e seu significado geomórfico jamais foi expresso com tanta beleza como por Playfair quando manifestou:

Todo rio parece estar composto de um tronco principal, alimentado por uma variedade de ramais, cada um dos quais flui por um vale proporcional a seu tamanho, e todos em conjunto constituem um sistema de vales comunicantes entre si e tendo um ajuste tão delicado de seus declives, que nenhum deles se junta com o vale principal, nem a um nível muito alto ou muito baixo, circunstância que seria infinitamente improvável se cada um destes vales não fosse o resultado do trabalho do rio que corre nele.

Se, na realidade, um rio constar de um só canal sem tributários, fluindo por um vale reto, se poderia supor que alguma perturbação, alguma torrente poderosa, haveria aberto todo o canal mediante o qual suas águas são conduzidas ao oceano, mas, quando se considera a forma usual de um rio, o tronco dividido em muitos ramos que se levantam a grande distância um do outro, e estes novamente divididos em uma infinidade de ramificações menores, impressiona-se na mente que todos estes canais tenham sido lentamente escavados pela enxurrada e erosão do terreno; e que é mediante ligeiros e repetidos toques do mesmo instrumento que este curioso agregado de linhas foi gravado tão profundamente sobre a superfície do globo.

Os conceitos básicos de nossas idéias modernas sobre o modelado terrestre são encontradas na teoria de Hutton. Hutton reconheceu, além da erosão fluvial, a marinha, mas prestou mais atenção ao desenvolvimento dos vales pelos rios. Como a maioria dos profetas, Hutton estava adiantado em relação à sua época. Transcorreram três quartos de século até que um grupo de geólogos norte-americanos que trabalhava no oeste dos Estados Unidos proporcionasse argumentos sem réplica. Playfair, apoiado em seus conhecimentos dos trabalhos de De Saussure, proclamou a capacidade dos glaciares de erosionar seus vales tão profundamente, e parece ter sido o primeiro a sugerir uma amplitude muito maior e anterior dos glaciares alpinos na Suíça, ainda que não reconhecesse os efeitos da glaciação na Escócia.

OS ALBORES DAS IDÉIAS GEOMÓRFICAS MODERNAS

Durante os muitos séculos que se seguiram ao declínio do Império Romano, houve pouco ou nada de pensamento científico na Europa. O saber que sobreviveu foi conservado principalmente nos mosteiros, mas não era ciência natural. Na Arábia houve também uma sobrevivência da ciência, e aí encontramos expressadas certas idéias que têm sabor moderno. Avicena (Ibn-Sina, 980-1037) sustentava opiniões sobre a origem das montanhas, dividindo-as em duas classes: as produzidas por “elevação do terreno, tal como se sucede com os terremotos” e a que resultam “dos efeitos da água corrente e do vento ao escavar vales em rochas brandas”. Por conseguinte, expressou o conceito de montanhas resultantes da erosão diferencial. A idéia de erosão lenta durante largos períodos também era sustentada por ele. Tais idéias têm uma marca decididamente moderna, mas não causaram nenhuma impressão no pensamento da Europa Ocidental, se é que foram conhecidas ali. Como Fenneman(1939) assinalou, tão pouco progresso se realizou na Europa desde os dias do primeiro século depois de Cristo até o começo do século dezesseis, que é pouco o que se pode dizer. Na realidade, pode-se perguntar se o ligeiro progresso realizado pelos antigos na explicação das características superficiais da Terra teve alguma influência sobre o surgimento eventual de uma ciência da formas do relevo. O que os antigos haviam pensado foi em sua maior parte perdido, e as idéias geológicas tiveram que se desenvolver de novo.

Durante os séculos quinze, dezesseis e dezessete, as formas da crosta terrestre eram explicadas principalmente pelos termos do catastrofismo, filosofia prevalecente desde então, de acordo com a qual as características da Terra eram criadas especialmente ou eram o resultado de cataclismos violentos que produziam mudanças repentinas e marcadas na superfície da Terra. Entretanto a idade da Terra era medida em uns pouco milhões de anos, não havia muita probabilidade de adjudicar importância a processos geológicos tão lentos que pouco ou nenhuma mudança se podia notar durante o tempo de uma vida.

Predecessores de Hutton. O conceito de um terreno que se desgasta, em contraste com a permanência constante da paisagem, como foi visualizado pelos pensadores antigos tinha a idéia da destruição do terreno por processos erosivos, mas os tempos não estavam maduros para levar a idéia a uma conclusão lógica. O espaço não permite uma discussão detalhada do desenvolvimento amplo e lento do pensamento geológico que finalmente serviu de fundamento ao pai das idéias geomórficas modernas, James Hutton, mas serão mencionados uns poucos homens que indicaram o caminho.

Leonardo Da Vinci (1452 – 1519) pode ser considerado como uns dos primeiros representantes do período formativo no pensamento geológico moderno. Reconheceu que os vales eram elaborados por rios e que estes carreavam materiais de uma parte da Terra e os depositavam em outra.

Nicolas Steno (1638 – 1687), dinamarquês que viveu grande parte de sua vida na Itália, também reconheceu que a água corrente provavelmente fora o agente principal no modelado da superfície terrestre.

O francês Buffon (1707 – 1788) reconheceu a potente capacidade erosiva dos rios para destruir o terreno e pensou que eventualmente o terreno seria reduzido ao nível do mar. Foi um dos primeiros a sugerir que a idade da Terra não deveria ser medida em termos de uns poucos milhões de anos, e apontou que os seis dias da Criação na narração bíblica não eram dias no sentido comum da palavra. No entanto , foi obrigado a retratar-se desta idéias heréticas.

O italiano Targiono-Torzetti (1712 – 1786) foi outro que reconheceu a evidência da erosão fluvial. Também sustentava a idéia de que os cursos irregulares dos rios estavam relacionados com as diferenças da rochas nas quais elaboram seus leitos, e assim reconheceu o princípio da erosão diferencial em relação com os materiais e estruturas geológicas variáveis.

O francês Guetthard (1715 – 1786) foi um geólogo no sentido mais amplo da palavra, embora os termos geologia e geólogo todavia não fossem usados. Examinou a degradação das montanhas pelos rios e percebeu que nem todo o material carreado pelos cursos d’água era levado imediatamente para o mar, mas que uma parte considerável entrava na construção das planícies aluviais acreditava que o mar era um destruidor do terreno ainda mais potente que os rios; para apoiar sua tese citou a destruição rápida dos alcantilados calcários do norte da França por meio do mar. Compreendeu os princípios fundamentais da denudação, mas desafortundamente, sua idéias estavam enterradas em numerosos volumes de escritos pesados. Guetthard é lembrado principalmente pelo seu reconhecimento da origem vulcânica de numerosos cones ou “puys” do distrito de Auvernia no centro da França.

Desmarest (1725 – 1815), outro francês, merece mais reconhecimento do geralmente lhe é concedido. Por meio de um raciocínio sólido e citando exemplos específicos, propugnou a idéia de que os vales da França central eram produtos dos cursos d’água que os ocupam. Aparentemente foi o primeiro a tentar delinear o desenvolvimento da paisagem através de sucessivas etapas de evolução.

O suíço De Saussure (1740 – 1799), o primeiro a empregar os termos geologia e geólogo no sentido atual, foi o primeiro grande investigador dos Alpes. Impressionado com o poder dos cursos d’água de modelar as montanhas, sustentou que os vales eram produzidos pelos rios que fluem por eles. Também reconheceu a capacidade dos glaciares para efetuar trabalho erosivo. Ainda que nem sempre tenha interpretado corretamente as coisas que viu, acumulou uma grande quantidade de informações, a qual Hutton recorreu posteriormente ao desenvolver a doutrina do uniformitarismo.

Estes três homens, Guetthard, Desmarest e De Saussure, às vezes considerados como integrante da escola francesa mais que quaisquer outros, mostraram o caminho a Hutton, que reconheceu gratamente suas ajudas. Nos Estados Unidos da América estes homens não lograram o reconhecimento que merecem, principalmente por que os geógrafos e geomorfólogos norte-americanos não foram contaminados pela moléstia de ler a literatura geológica francesa.

AS BASES DA GEOMORFOLOGIA

Neste e nos próximos posts estarão a "tradução" do primeiro capítulo do livro THORNBURY, W.D. Principios de Geomorfología. 2. ed. Buenos Aires, Editorial Kapelusz,1966. p. 1-15. Boa leitura.

O CAMPO DA GEOMORFOLOGIA

Definições – Se definirmos a Geomorfologia sobre a base das três raízes gregas das quais se derivou a palavra, significaria “ descrição das formas terrestres”. Geralmente, se considera que ela é “a ciência das formas terrestres”, e assim será entendida, embora estendamos o conceito para incluir as formas submarinas. Segundo foi definido por Worcester (1939), é uma descrição e interpretação das características do relevo terrestre. Assim definida, seu sentido é consideravelmente mais amplo que como ciência das formas do relevo, já que podemos incluir dentro de sua esfera uma discussão da origem das formas terrestres maiores, tais como bacias oceânicas e plataformas continentais, assim como também de entidades estruturais menores, tais como montanhas, planícies e mesetas. As bacias oceânicas e as plataformas continentais são feições do relevo, mas parece que sua interpretação deve-se à Geologia Dinâmica e Estrutural. Nos interessaremos principalmente pelas formas menores desenvolvidas sobre estas características maiores do relevo.

A adoção do termo Geomorfologia para o estudo das formas do relevo se produz como conseqüência do descontentamento com o termo fisiografia, anteriormente aplicado a esta matéria. Fisiografia, particularmente como é empregado na Europa, inclui em grau considerável a climatologia, a meteorologia, a oceanografia e a geografia matemática. Se bem que continuar com a prática de restringir a fisiografia à discussão das formas do terreno, antes comum nos Estados Unidos da América, parecia preferível contar com uma denominação para este ramo da Geologia, que pelo menos reduza a confusão quanto a seu campo de estudo.

Geomorfologia é sobretudo Geologia, apesar do fato de que algo de Geomorfologia se ensina tanto na Europa como nos Estados Unidos como parte da Geografia Física. Na maioria dos cursos de Geografia, as formas do relevo são tratadas de forma mais ou menos incidental, como uma parte da descrição do ambiente físico do homem, mas, no geral ressalta-se a adaptação do homem às formas do terreno e seu aproveitamento por ele, em vez da descrição das formas terrestres em si.

HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS GEOMÓRFICAS

Conveniência de uma base histórica – Os estudiosos sérios devem interessar-se pelo desenvolvimento do pensamento científico e pelos homens que contribuíram para o seu avanço. Considerar a história antiga como carente de valor para a apreciação do pensamento atual é, na realidade, uma falta de perspicácia. Estabelecer laços históricos é de utilidade inquestionável para o estudante, pois lhe permite introduzir-se no método científico (lógica indutiva). Pelo menos três benefícios distintos resultam de sua familiarização com o crescimento do pensamento geomórfico. O estudante adquire uma perspectiva melhor da qual pode apreciar o pensamento do presente. O fato de que a matéria não é estática lhe impressiona e, por conseguinte, mantém sua mente aberta a novas idéias. Além disso, percebe que a maioria das idéias que hoje em dia aceitamos como evidentes por si mesmas encontraram resistências quando foram propostas pela primeira vez e foram aceitas como corretas lentamente e de má vontade, e que possivelmente algumas das novas idéias que hoje desdenhamos possam finalmente resistir ao embate do tempo.

Idéias dos antigos

Já que as formas do relevo são os fenômenos geológicos de maior amplitude, a especulação referente a sua origem se sucede desde o tempo dos filósofos antigos. No entanto, não foi até que se admitiu que “o presente é a chave do passado” que o estudo dos processos geomórficos chegou a adquirir grande significação. Isto não se sucedeu até o começo do século XIX, e somente nas últimas décadas desse século se compreendeu a evolução sistemática das formas do terreno. Ainda que a separação da Geomorfologia como um subciência distinta aconteceu mais tarde, muitas de suas idéias básicas tiveram uma origem recente.

Uma discussão do desenvolvimento das idéias geomórficas bem pode começar com os filósofos gregos e romanos. O espaço não permitirá um desenvolvimento detalhado de suas idéias, mas daremos uma noção bastante correta delas se considerarmos brevemente os pontos de vista de quatro pessoas: Heródoto, Aristóteles, Estrabão e Sêneca.

Heródoto (485? – 425 a.C.), conhecido como o “pai da História”, também é lembrado por algumas de suas observações geológicas. Reconheceu a importância dos incrementos anuais de silte e argila depositados pelo rio Nilo, e a ele se referiu na frase “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Acreditou que os terremotos foram os responsáveis pela separação das montanhas e que tal fenômeno se constituiria numa expressão da ira dos deuses. Observou conchas nas montanhas do Egito, e sobre a base de sua experiência deduziu que em algum tempo o mar deveria ter se estendido sobre o baixo Egito, antecipando até certo ponto a idéia de mudança do nível do mar, um assunto de grande importância geomórfica.

Aristóteles (384-322 a.C.) refletiu em seus escritos o pensamento de sua época. Suas idéias referentes a origem dos mananciais são interessantes. Acreditava ele que as águas que fluíam dos mananciais compunham-se de: a) parte das águas pluviais que se infiltraram; b) água que se havia formado dentro da Terra por condensação do ar que havia penetrado na mesma; e c) água que havia se condensado de vapores de origem incerta dentro da Terra. Todas estas águas eram contidas pelas montanhas, como se estas fossem grandes esponjas. Desde então o termo rio era aplicado unicamente a águas correntes alimentadas por mananciais. Aristóteles acreditava que a precipitação podia produzir uma torrente transitória, mas duvidava que a mesma pudesse manter a corrente do rio. Incidentalmente, digamos que a explicação verdadeira sobre as águas dos mananciais e o caudal dos rios mantido por longo tempo depois dos períodos de precipitação não foi dada até que, em 1563 e 1580, Bernardo Palissy deduziu, e em 1674 Pedro Perrault demonstrou a suficiência das chuvas para mantê-lo. Aristóteles acreditou que por sua origem os terremotos e os vulcões estavam estreitamente relacionados, e atribuiu os primeiros aos efeitos da mistura de ar úmido e seco dentro da Terra. Junto com outros, Aristóteles reconheceu que o mar cobria setores que anteriormente haviam sido terra firme e também a probabilidade de reaparecer terra onde então havia mar. Aludiu ao desaparecimento subterrâneo dos rios (hoje o denominaríamos correntes subterrâneas ou insumidas). A Grécia é um país com muito calcário e mármore, onde são comuns os aspectos produzidos ao serem dissolvidos pelas águas subterrâneas). Reconheceu que os rios retiravam material da terra e o depositava como aluvião, e citou exemplos da região do Mar Negro onde em 60 anos o aluvião havia se acumulado tão rapidamente que tornou-se necessário o uso de barcos de menor calado.

Estrabão (54 a.C. – 25 d.C.), que viajou muito e observou detidamente, notou exemplos de afundamento e ascensão local da terra firme. Considerou o Vale de Tempe como resultado de terremotos juntamente com a atividade vulcânica, todavia eram atribuídos à força de ventos do interior da Terra. Da natureza da cúspide do Vesúvio inferiu, corretamente, que era de origem vulcânica, ainda que não estivesse ativo durante sua vida. Também reconheceu a importância da aluvião fluvial e pensou que o delta de um rio variava de tamanho de acordo com a natureza da região drenada pelo dito curso d’água, e que os deltas maiores se encontram onde as regiões drenadas são amplas e a rochas superficiais são frágeis. Observou que o crescimento até o mar de alguns deltas é retardado pelo fluxo e refluxo das marés.

Senêca (?a.C. – 65 d.C.) reconheceu o caráter local dos terremotos, mas continuou com a crença de que eram o efeito da luta interna de ventos subterrâneos. Mesmo assim sustentava a idéia de que as precipitações eram suficientes para explicar os rios e ainda reconheceu o poder destes para desgastar seus vales. Assim, embora o conceito de que os rios elaboram os seus vales foi em certo sentido introduzido, as múltiplas derivações deste fato não foram percebidas até muitos séculos depois. Os antigos parecem haver se dado conta de que há uma relação genérica entre os terremotos e as deformações da crosta terrestre, embora tenham confundido causa e efeito e pensaram que os terremotos causam deformações.