sexta-feira, 4 de setembro de 2009

OS ALBORES DAS IDÉIAS GEOMÓRFICAS MODERNAS

Durante os muitos séculos que se seguiram ao declínio do Império Romano, houve pouco ou nada de pensamento científico na Europa. O saber que sobreviveu foi conservado principalmente nos mosteiros, mas não era ciência natural. Na Arábia houve também uma sobrevivência da ciência, e aí encontramos expressadas certas idéias que têm sabor moderno. Avicena (Ibn-Sina, 980-1037) sustentava opiniões sobre a origem das montanhas, dividindo-as em duas classes: as produzidas por “elevação do terreno, tal como se sucede com os terremotos” e a que resultam “dos efeitos da água corrente e do vento ao escavar vales em rochas brandas”. Por conseguinte, expressou o conceito de montanhas resultantes da erosão diferencial. A idéia de erosão lenta durante largos períodos também era sustentada por ele. Tais idéias têm uma marca decididamente moderna, mas não causaram nenhuma impressão no pensamento da Europa Ocidental, se é que foram conhecidas ali. Como Fenneman(1939) assinalou, tão pouco progresso se realizou na Europa desde os dias do primeiro século depois de Cristo até o começo do século dezesseis, que é pouco o que se pode dizer. Na realidade, pode-se perguntar se o ligeiro progresso realizado pelos antigos na explicação das características superficiais da Terra teve alguma influência sobre o surgimento eventual de uma ciência da formas do relevo. O que os antigos haviam pensado foi em sua maior parte perdido, e as idéias geológicas tiveram que se desenvolver de novo.

Durante os séculos quinze, dezesseis e dezessete, as formas da crosta terrestre eram explicadas principalmente pelos termos do catastrofismo, filosofia prevalecente desde então, de acordo com a qual as características da Terra eram criadas especialmente ou eram o resultado de cataclismos violentos que produziam mudanças repentinas e marcadas na superfície da Terra. Entretanto a idade da Terra era medida em uns pouco milhões de anos, não havia muita probabilidade de adjudicar importância a processos geológicos tão lentos que pouco ou nenhuma mudança se podia notar durante o tempo de uma vida.

Predecessores de Hutton. O conceito de um terreno que se desgasta, em contraste com a permanência constante da paisagem, como foi visualizado pelos pensadores antigos tinha a idéia da destruição do terreno por processos erosivos, mas os tempos não estavam maduros para levar a idéia a uma conclusão lógica. O espaço não permite uma discussão detalhada do desenvolvimento amplo e lento do pensamento geológico que finalmente serviu de fundamento ao pai das idéias geomórficas modernas, James Hutton, mas serão mencionados uns poucos homens que indicaram o caminho.

Leonardo Da Vinci (1452 – 1519) pode ser considerado como uns dos primeiros representantes do período formativo no pensamento geológico moderno. Reconheceu que os vales eram elaborados por rios e que estes carreavam materiais de uma parte da Terra e os depositavam em outra.

Nicolas Steno (1638 – 1687), dinamarquês que viveu grande parte de sua vida na Itália, também reconheceu que a água corrente provavelmente fora o agente principal no modelado da superfície terrestre.

O francês Buffon (1707 – 1788) reconheceu a potente capacidade erosiva dos rios para destruir o terreno e pensou que eventualmente o terreno seria reduzido ao nível do mar. Foi um dos primeiros a sugerir que a idade da Terra não deveria ser medida em termos de uns poucos milhões de anos, e apontou que os seis dias da Criação na narração bíblica não eram dias no sentido comum da palavra. No entanto , foi obrigado a retratar-se desta idéias heréticas.

O italiano Targiono-Torzetti (1712 – 1786) foi outro que reconheceu a evidência da erosão fluvial. Também sustentava a idéia de que os cursos irregulares dos rios estavam relacionados com as diferenças da rochas nas quais elaboram seus leitos, e assim reconheceu o princípio da erosão diferencial em relação com os materiais e estruturas geológicas variáveis.

O francês Guetthard (1715 – 1786) foi um geólogo no sentido mais amplo da palavra, embora os termos geologia e geólogo todavia não fossem usados. Examinou a degradação das montanhas pelos rios e percebeu que nem todo o material carreado pelos cursos d’água era levado imediatamente para o mar, mas que uma parte considerável entrava na construção das planícies aluviais acreditava que o mar era um destruidor do terreno ainda mais potente que os rios; para apoiar sua tese citou a destruição rápida dos alcantilados calcários do norte da França por meio do mar. Compreendeu os princípios fundamentais da denudação, mas desafortundamente, sua idéias estavam enterradas em numerosos volumes de escritos pesados. Guetthard é lembrado principalmente pelo seu reconhecimento da origem vulcânica de numerosos cones ou “puys” do distrito de Auvernia no centro da França.

Desmarest (1725 – 1815), outro francês, merece mais reconhecimento do geralmente lhe é concedido. Por meio de um raciocínio sólido e citando exemplos específicos, propugnou a idéia de que os vales da França central eram produtos dos cursos d’água que os ocupam. Aparentemente foi o primeiro a tentar delinear o desenvolvimento da paisagem através de sucessivas etapas de evolução.

O suíço De Saussure (1740 – 1799), o primeiro a empregar os termos geologia e geólogo no sentido atual, foi o primeiro grande investigador dos Alpes. Impressionado com o poder dos cursos d’água de modelar as montanhas, sustentou que os vales eram produzidos pelos rios que fluem por eles. Também reconheceu a capacidade dos glaciares para efetuar trabalho erosivo. Ainda que nem sempre tenha interpretado corretamente as coisas que viu, acumulou uma grande quantidade de informações, a qual Hutton recorreu posteriormente ao desenvolver a doutrina do uniformitarismo.

Estes três homens, Guetthard, Desmarest e De Saussure, às vezes considerados como integrante da escola francesa mais que quaisquer outros, mostraram o caminho a Hutton, que reconheceu gratamente suas ajudas. Nos Estados Unidos da América estes homens não lograram o reconhecimento que merecem, principalmente por que os geógrafos e geomorfólogos norte-americanos não foram contaminados pela moléstia de ler a literatura geológica francesa.

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