segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

As Frentes de Ocupação do Espaço Maranhense*


A primeira tentativa de ocupação do espaço maranhense deu-se quando o Brasil foi dividido em Capitanias Hereditárias por obra de D. João III. Dividido em duas capitanias, a região do Maranhão é entregue a Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade, em 1535. Não há registros desse primeiro esforço de povoamento.

Em 1594 os franceses adentraram o território na zona do Golfão Maranhense, seguindo a mesma lógica econômica e políticas dos portugueses, baseada no povoamento periférico do território. É provável que o objetivo primeiro dos franceses com esta ocupação fosse a exploração da madeira e o estabelecimento de um posto avançado em direção ao mundo amazônico.

Os franceses haviam sido expulsos do Rio de Janeiro, onde tentaram fundar a colônia denominada de França Antártica. Um pouco mais tarde, em 1612, e com a chegada de reforços, eles fundam a cidade São Luís, além de construir fortes, iniciando uma nova colônia, agora denominada de França Equinocial. Meireles (2008: 45) descreve que “cuidaram então os franceses de, iniciando a catequese do silvícola, consolidar sua amizade, explorando os ressentimentos dos portugueses que, conquistando o Brasil, os haviam forçado a emigrar do sul; ao mesmo tempo faziam o reconhecimento da terra”.

A cobiça francesa por esta região decorreu da ausência portuguesa nesta parte do imenso litoral brasileiro, da existência de bons portos naturais e da proximidade destes com a Europa. Além disso, nesta época, Portugal encontrava-se incorporado pela Espanha à União Ibérica (1580-1640). Após diversas escaramuças, como a célebre batalha de Guaxenduba, os portugueses conseguem expulsar os franceses em 1615, estabelecendo-se definitivamente no território, principalmente após a criação, por ato régio, do Estado Colonial do Maranhão em 1618. Em seguida os portugueses iniciaram o processo de ocupação das terras do sertão, seguindo o curso dos grandes rios maranhenses, como o Itapecuru.

Reina, entre historiadores maranhenses, grande discórdia quanto ao sucesso da empreitada francesa. Para alguns ela foi superestimada, no início do século passado, como forma de proporcionar à decadente capital ludovicense uma aura aristocrática (LACRO[i]IX[ii], 2002; SOUSA[iii], 2007). Os defensores dessa corrente apontam a arquitetura e a azulejaria portuguesas, que existem em São Luís, como provas de que esta era uma cidade de origem portuguesa. Outra controvérsia refere-se à Guaxenduba, batalha vencida pelos portugueses, apesar de sua inferioridade bélica e de contingente. Atribuir tal feito a um milagre da Virgem Maria não convenceu os historiadores.

A ocupação das terras maranhenses, entretanto, prossegue conturbada. Em 1641 os holandeses ocupam a cidade de São Luís de onde serão expulsos três anos mais tarde. A partir daí torna-se um ponto de apoio dos portugueses à exploração da Amazônia e ao povoamento do Norte do país. As dificuldades eram tantas que em 1621 é instituída a divisão do Brasil em duas grandes porções: o Estado do Maranhão e Grão-Pará e o Estado do Brasil. O Estado do Maranhão compreendia desde o Ceará até o Amazonas (FURTADO, 1986; TROVÃO[iv], 2010). Em 1682 é criada a Companhia Geral de Comércio do Maranhão, sediada em Belém, com o objetivo de fomentar a atividade econômica de exportação no norte do Brasil. Estas medidas, apesar de parciais, consolidam a posse do território e auxiliam a implantação de uma tímida economia de exportação. Entretanto, os privilégios de comércio cedidos a essa empresa, a cobiça e a má administração dos seus gestores geram insatisfações na população de colonos, que culminam com a Revolta de Bequimão, de consequências muito sérias, segundo Prado Junior[v] (1983). A revolta, sufocada em 1684, é liderada por Manuel Bequimão, proprietário do maior engenho açucareiro do Maranhão, situado no vale do Mearim.

Furtado[vi] (1986) explica que as dificuldades dos colonos maranhenses eram muitas: solos inadequados para a cultura da cana-de-açúcar, isolamento e colonização tardia em relação ao restante do Brasil, além da desorganização administrativa e econômica num mercado já bastante concorrido como o do açúcar e do fumo. E as dificuldades prosseguem porque “em toda a segunda metade do século XVII e a primeira do seguinte, os colonos do chamado Estado do Maranhão lutaram tenazmente para sobreviver” (FURTADO, 1986:67). A economia regride para subsistência e para a caça ao índio. Neste processo de interiorização, “os colonos foram conhecendo melhor a floresta e descobrindo suas potencialidades” (op. cit.:67).

Em meados do século XVIII a economia colonial do Brasil dividiu-se em três sistemas ou centros econômicos – “a faixa açucareira, a região mineira e o Maranhão (...). Dos três sistemas principais, o único que conheceu uma efetiva prosperidade no último quartel do século foi o Maranhão” (FURTADO, 1986:90). Com o auxílio do Marquês de Pombal é criada a Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão-Pará (1755), que estimulará o cultivo do algodão. A cotonicultura subindo as margens do Itapecuru cobrirá principalmente a região de Caxias, trazendo consigo grande contingente de mão-de-obra africana, levando Prado Junior (1983:82) a afirmar que o algodão “apesar de branco, tornará preto o Maranhão”. Prado Junior (op. cit) afirma também que é no Maranhão que o progresso da cotonicultura é mais expressivo e interessante porque esta região, até então a mais pobre da colônia, superaria todas as demais em riqueza nesta época.

Trovão e Feitosa (2006) e Trovão (2008[vii]) advogam a ideia de que o território maranhense foi efetivamente ocupado a partir de três frentes de povoamento, com origens e épocas diferentes: a corrente do litoral, a da pecuária ou dos criadores de gado e dos migrantes da seca.

Originando-se em São Luís, a capital, essa frente segue em direção ao interior do estado pelos vales dos rios Itapecuru, Mearim e Grajaú, chegando até o município de Caxias, no leste do estado. A introdução das culturas da cana-de-açúcar e do arroz e a instalação de diversos engenhos açucareiros, como o de Manuel Bequimão, situado no vale do Mearim, marcam essa primeira etapa de povoamento do território maranhense.

Duas outras ramificações acompanharam o litoral: a do oeste, em direção à foz do Gurupi, instalou áreas de produção agrícola e gerou cidades como Cururupu e Alcântara. A ramificação do leste estimulou o desenvolvimento da pecuária, a exploração de salinas e a comunicação com outras províncias como Ceará e Pernambuco.

A segunda frente de ocupação do estado foi denominada de “pastoril”, ou dos criadores de gado. Ocorreu mais de um século depois da primeira. A separação entre a atividade açucareira e a pecuária na Zona da Mata estimulou o povoamento dos sertões nordestinos. Oriundos da Bahia e de Pernambuco, os vaqueiros sobem o rio São Francisco, atravessam os rios piauienses Gurguéia e Piauí e vão instalar-se na Região de Pastos Bons, iniciando a ocupação e o povoamento rarefeito do sul do Maranhão no século XVIII. Avançando um pouco mais, o gado ocupará o cerrado do centro sul do estado, chegando até a região de floresta equatorial, na atual microrregião de Imperatriz. Uma segunda frente pecuarista, oriunda do Ceará e Pernambuco, só conseguiu alcançar o baixo curso dos grandes rios maranhenses, criando um vazio demográfico entre uma corrente e outra.

Feitosa e Trovão (2006) e Trovão (2008), fazem referência a uma terceira frente denominada de “frente de expansão agrícola” por uns e/ou “corrente de fugitivos da seca” por outros. Originária do sertão nordestino, no início do século XX, esta frente acessa o território maranhense por três pontos: o porto de Tutóia, ou seja, por via marítima; por Teresina e Floriano, cidades dotadas de pontes sobre o rio Parnaíba. Trovão (2008) considera que os motivos que trouxeram os migrantes do leste para o oeste são de caráter repulsivo quando se trata do fenômeno periódico das secas ou de caráter atrativo quando são considerados fatores tais como: a disponibilidade de terras devolutas, maior e melhor distribuição das chuvas, solos de boa fertilidade e a disponibilidade dos recursos florestais.

Além dos fatores naturais, deve-se considerar também a expressiva força de atração exercida pelos incentivos governamentais da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que estimulou o povoamento dessa região. Expressivos são igualmente os incentivos proporcionados pelo Estado do Maranhão, que no governo de José Sarney (1966 – 1970) criou a COMARCO – Companhia Maranhense de Colonização. Esta empresa, apoiada em instrumentos legais, como a Lei de Terras, e de uma generosa política de incentivos fiscais, possibilitou a aquisição de vastas extensões de terras por preços simbólicos por parte de grandes grupos empresariais do país, como a Volkswagen e a Sharp.

Os conflitos de terras entre os pioneiros-posseiros e os empresários-pecuaristas tornarão essa região uma das mais violentas do país, fomentando um ciclo interminável de grilagem de terras. O vale do rio Pindaré, a partir dessas iniciativas, foi ocupado definitivamente, tornando-se uma frente de avanço da agricultura em moldes tradicionais, pela pré-Amazônia maranhense.

A respeito da ocupação do espaço agrário maranhense, muito já foi dito e ainda será. Como ponto de partida, recomenda-se a leitura das obras de dois geógrafos: Trovão[viii] (1989) trata da colonização do vale do Pindaré e Canedo[ix] (1993), num texto mais abrangente e fluido, avança até os anos de 1980.

A partir de 1980, o Maranhão inicia um processo de industrialização apoiado no setor metalúrgico e na exploração do grande projeto de Carajás, cujo minério é levado pela estrada de ferro que liga Carajás ao Porto de Itaqui em São Luis. Apoiada em incentivos, a Alcoa, uma das grandes empresas mundiais do alumínio, instala-se na ilha para se beneficiar da bauxita oriunda do vale do rio Trombetas, no Pará.

Nos últimos anos tem sido divulgada a proposta de transformar Bacabeira, uma pequena cidade próxima à ilha de São Luís, em polo siderúrgico e a possibilidade de instalação de uma refinaria de petróleo nas mesmas imediações. A escolha de cidades próximas à capital decorre da pressão da sociedade por respeito às questões ambientais, em decorrência dos impactos causados pela metalurgia do alumínio do Complexo Alcoa/Alumar que continua em expansão.

 *Este texto não foi revisado.



[i] [ii] LACROIX , M. de L.L.A Fundação Francesa de São Luís e seus mitos. 2. ed. rev. e ampliada. São Luís: Lithograf, 2002.
[iii] SOUSA, J.U.P. “Os estilhaços”: debate intelectual sobre a fundação francesa de São Luís do Maranhão. Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br, vol. 04, 2007, p. 111-134.
[iv] TROVÃO, J.R. Evolução político-administrativa do Estado do Maranhão. São Luís: IMESC, 2010.
[v] PRADO JUNIOR, C. História econômica do Brasil. 28.ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
[vi] FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. 21.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1986.
[vii]  TROVÃO, J.R. O processo de ocupação do território maranhense. São Luís: IMESC, 2008. (Cadernos IMESC, 5)
[viii] TROVÃO, J.R. Ilha latifundiária na Amazônia Maranhense; estudo da expansão da fronteira agrícola no médio vale do Pindaré: o caso de Santa Inês. São Luis:UFMA/PPPG, 1989.
[ix] CANEDO, E. V. da S. O. de. Organização do espaço agrário maranhense até os anos 80: a distribuição da terra e atividades agrícolas. São Luís/MA: Ed. da autora 1993

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