sexta-feira, 4 de setembro de 2009

AS BASES DA GEOMORFOLOGIA

Neste e nos próximos posts estarão a "tradução" do primeiro capítulo do livro THORNBURY, W.D. Principios de Geomorfología. 2. ed. Buenos Aires, Editorial Kapelusz,1966. p. 1-15. Boa leitura.

O CAMPO DA GEOMORFOLOGIA

Definições – Se definirmos a Geomorfologia sobre a base das três raízes gregas das quais se derivou a palavra, significaria “ descrição das formas terrestres”. Geralmente, se considera que ela é “a ciência das formas terrestres”, e assim será entendida, embora estendamos o conceito para incluir as formas submarinas. Segundo foi definido por Worcester (1939), é uma descrição e interpretação das características do relevo terrestre. Assim definida, seu sentido é consideravelmente mais amplo que como ciência das formas do relevo, já que podemos incluir dentro de sua esfera uma discussão da origem das formas terrestres maiores, tais como bacias oceânicas e plataformas continentais, assim como também de entidades estruturais menores, tais como montanhas, planícies e mesetas. As bacias oceânicas e as plataformas continentais são feições do relevo, mas parece que sua interpretação deve-se à Geologia Dinâmica e Estrutural. Nos interessaremos principalmente pelas formas menores desenvolvidas sobre estas características maiores do relevo.

A adoção do termo Geomorfologia para o estudo das formas do relevo se produz como conseqüência do descontentamento com o termo fisiografia, anteriormente aplicado a esta matéria. Fisiografia, particularmente como é empregado na Europa, inclui em grau considerável a climatologia, a meteorologia, a oceanografia e a geografia matemática. Se bem que continuar com a prática de restringir a fisiografia à discussão das formas do terreno, antes comum nos Estados Unidos da América, parecia preferível contar com uma denominação para este ramo da Geologia, que pelo menos reduza a confusão quanto a seu campo de estudo.

Geomorfologia é sobretudo Geologia, apesar do fato de que algo de Geomorfologia se ensina tanto na Europa como nos Estados Unidos como parte da Geografia Física. Na maioria dos cursos de Geografia, as formas do relevo são tratadas de forma mais ou menos incidental, como uma parte da descrição do ambiente físico do homem, mas, no geral ressalta-se a adaptação do homem às formas do terreno e seu aproveitamento por ele, em vez da descrição das formas terrestres em si.

HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS GEOMÓRFICAS

Conveniência de uma base histórica – Os estudiosos sérios devem interessar-se pelo desenvolvimento do pensamento científico e pelos homens que contribuíram para o seu avanço. Considerar a história antiga como carente de valor para a apreciação do pensamento atual é, na realidade, uma falta de perspicácia. Estabelecer laços históricos é de utilidade inquestionável para o estudante, pois lhe permite introduzir-se no método científico (lógica indutiva). Pelo menos três benefícios distintos resultam de sua familiarização com o crescimento do pensamento geomórfico. O estudante adquire uma perspectiva melhor da qual pode apreciar o pensamento do presente. O fato de que a matéria não é estática lhe impressiona e, por conseguinte, mantém sua mente aberta a novas idéias. Além disso, percebe que a maioria das idéias que hoje em dia aceitamos como evidentes por si mesmas encontraram resistências quando foram propostas pela primeira vez e foram aceitas como corretas lentamente e de má vontade, e que possivelmente algumas das novas idéias que hoje desdenhamos possam finalmente resistir ao embate do tempo.

Idéias dos antigos

Já que as formas do relevo são os fenômenos geológicos de maior amplitude, a especulação referente a sua origem se sucede desde o tempo dos filósofos antigos. No entanto, não foi até que se admitiu que “o presente é a chave do passado” que o estudo dos processos geomórficos chegou a adquirir grande significação. Isto não se sucedeu até o começo do século XIX, e somente nas últimas décadas desse século se compreendeu a evolução sistemática das formas do terreno. Ainda que a separação da Geomorfologia como um subciência distinta aconteceu mais tarde, muitas de suas idéias básicas tiveram uma origem recente.

Uma discussão do desenvolvimento das idéias geomórficas bem pode começar com os filósofos gregos e romanos. O espaço não permitirá um desenvolvimento detalhado de suas idéias, mas daremos uma noção bastante correta delas se considerarmos brevemente os pontos de vista de quatro pessoas: Heródoto, Aristóteles, Estrabão e Sêneca.

Heródoto (485? – 425 a.C.), conhecido como o “pai da História”, também é lembrado por algumas de suas observações geológicas. Reconheceu a importância dos incrementos anuais de silte e argila depositados pelo rio Nilo, e a ele se referiu na frase “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Acreditou que os terremotos foram os responsáveis pela separação das montanhas e que tal fenômeno se constituiria numa expressão da ira dos deuses. Observou conchas nas montanhas do Egito, e sobre a base de sua experiência deduziu que em algum tempo o mar deveria ter se estendido sobre o baixo Egito, antecipando até certo ponto a idéia de mudança do nível do mar, um assunto de grande importância geomórfica.

Aristóteles (384-322 a.C.) refletiu em seus escritos o pensamento de sua época. Suas idéias referentes a origem dos mananciais são interessantes. Acreditava ele que as águas que fluíam dos mananciais compunham-se de: a) parte das águas pluviais que se infiltraram; b) água que se havia formado dentro da Terra por condensação do ar que havia penetrado na mesma; e c) água que havia se condensado de vapores de origem incerta dentro da Terra. Todas estas águas eram contidas pelas montanhas, como se estas fossem grandes esponjas. Desde então o termo rio era aplicado unicamente a águas correntes alimentadas por mananciais. Aristóteles acreditava que a precipitação podia produzir uma torrente transitória, mas duvidava que a mesma pudesse manter a corrente do rio. Incidentalmente, digamos que a explicação verdadeira sobre as águas dos mananciais e o caudal dos rios mantido por longo tempo depois dos períodos de precipitação não foi dada até que, em 1563 e 1580, Bernardo Palissy deduziu, e em 1674 Pedro Perrault demonstrou a suficiência das chuvas para mantê-lo. Aristóteles acreditou que por sua origem os terremotos e os vulcões estavam estreitamente relacionados, e atribuiu os primeiros aos efeitos da mistura de ar úmido e seco dentro da Terra. Junto com outros, Aristóteles reconheceu que o mar cobria setores que anteriormente haviam sido terra firme e também a probabilidade de reaparecer terra onde então havia mar. Aludiu ao desaparecimento subterrâneo dos rios (hoje o denominaríamos correntes subterrâneas ou insumidas). A Grécia é um país com muito calcário e mármore, onde são comuns os aspectos produzidos ao serem dissolvidos pelas águas subterrâneas). Reconheceu que os rios retiravam material da terra e o depositava como aluvião, e citou exemplos da região do Mar Negro onde em 60 anos o aluvião havia se acumulado tão rapidamente que tornou-se necessário o uso de barcos de menor calado.

Estrabão (54 a.C. – 25 d.C.), que viajou muito e observou detidamente, notou exemplos de afundamento e ascensão local da terra firme. Considerou o Vale de Tempe como resultado de terremotos juntamente com a atividade vulcânica, todavia eram atribuídos à força de ventos do interior da Terra. Da natureza da cúspide do Vesúvio inferiu, corretamente, que era de origem vulcânica, ainda que não estivesse ativo durante sua vida. Também reconheceu a importância da aluvião fluvial e pensou que o delta de um rio variava de tamanho de acordo com a natureza da região drenada pelo dito curso d’água, e que os deltas maiores se encontram onde as regiões drenadas são amplas e a rochas superficiais são frágeis. Observou que o crescimento até o mar de alguns deltas é retardado pelo fluxo e refluxo das marés.

Senêca (?a.C. – 65 d.C.) reconheceu o caráter local dos terremotos, mas continuou com a crença de que eram o efeito da luta interna de ventos subterrâneos. Mesmo assim sustentava a idéia de que as precipitações eram suficientes para explicar os rios e ainda reconheceu o poder destes para desgastar seus vales. Assim, embora o conceito de que os rios elaboram os seus vales foi em certo sentido introduzido, as múltiplas derivações deste fato não foram percebidas até muitos séculos depois. Os antigos parecem haver se dado conta de que há uma relação genérica entre os terremotos e as deformações da crosta terrestre, embora tenham confundido causa e efeito e pensaram que os terremotos causam deformações.

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