sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DEPOIS DE HUTTON

Depois de Hutton

Progresso na Europa – Charles Lyell (1797–1875) chegou a ser o representante máximo do uniformitarismo e, através de suas séries de livros-texto, provavelmente fez mais pelo progresso desse princípio e do conhecimento geológico em geral do qualquer outra pessoa. No entanto, não pode aceitar o significado total da erosão fluvial, tal como foi concebida por Hutton, por que, na décima primeira edição de seus Principles of Geology (1872) encontramos a seguinte manifestação: “É provável que poucos grande vales em qualquer parte do mundo tenha sido escavado pelas chuvas e águas correntes somente. Durante pare de sua formação, os movimento subterrâneos prestaram seu auxílio, acelerando o processo de erosão”.

Na Europa, um dos progressos mais significativos do século dezenove foi o reconhecimento da evidência de uma idade glacial durante a qual mantos de gelo cobriram a maior parte da Europa setentrional. A pessoa a quem geralmente se atribui o mérito de haver estabelecido este fato é Louis Agassiz (1807-1873). Talvez seu maior mérito seja o de haver estabelecido sua validade, mas várias pessoas, a quem raramente se lhes atribui tal mérito, anteciparam suas conclusões. A idéia de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo mais amplo era comum entre os camponeses suíços, que observavam morenas nos vales por sob as partes terminais dos glaciares atuais. Playfair, ao efetuar uma viagem aos montes Jura em 1815, reconheceu a possibilidade de que grandes blocos ali presentes pudessem ter sido transportados por glaciares alpinos. Em 1821, um engenheiro suíço, de apelido Venetz, manifestou sua crença de que os glaciares alpinos haviam existido em um tempo muito mais amplo, e em 1824, Esmark, na Noruega, expressou as mesmas idéias referente aos glaciares neste país. Em 1829, Venetz lançou a opinião de que provavelmente os glaciares se estenderam até as planícies baixas. Bernhardi publicou na Alemanha, em 1832, um trabalho no qual supunha a presença anterior de mantos de gelo continental. Em 1834, um colega de Venetz, John Carpentier, deu a conhecer um informe no qual concordava com as conclusões de Venetz. Foi principalmente de vido a Carpentier que Agassiz mostrou interesse pela glaciação. Era cético referente às conclusões a que se havia chegado, mas convinha visitar a área na qual Venetz e Carpentier haviam estado trabalhando. Em 1836 visitou o setor e, ainda que chegasse cético, quando regressou era um convertido às idéias de Carpentier. Convenceu-se de que não havia chegado suficientemente longe em suas conclusões. Em 1837 leu um trabalho ante a Sociedade Helvética, a essência do qual se publicou em 1840 como Estudo sobre os glaciares; nesse trabalho proclamou seu conceito de um grande período glacial. Sobreveio certo distanciamento entre estes dois homens porque Carpentier acreditava que Agassiz deveria Ter postergado a publicação de seu trabalho até houvesse aparecido o seu, o que não ocorreu senão em 1841. Embora bem pudesse haver alguma dúvida referente a se se deverá proclamar a Agassiz como o pai do conceito de glaciação continental, não há dúvida alguma de que foi devido a seus esforços infatigáveis que finalmente se reconheceu o fato da grande idade do gelo. Já em 1870 sua validade estava bastante aceita, e se começava a reconhecer a multiplicidade da glaciação, embora a oposição a esta idéia continue até muito tarde como 1905.

A importância da abrasão marinha foi considerada com ênfase por geólogos tais como André Ramsay (1814-1891) e o Barão von Richthofen (1833-1905). Ramsay descreveu o que acreditava ser uma planície de abrasão marinha no higlands de Gales e sudoeste da Inglaterra, e Richthofen apoiou a idéia da importância da erosão marinha baseada em testemunhos observados duranrte suas viagens pela China.

Jukes, em 1862, apresentou um trabalho, que com o tempo resultou clássico, sobre os rios do sul da Irlanda, no qual reconheceu a presença de dois tipos principais de cursos: rios transversais, que fluem através da estrutura geológica, e os rios longitudinais, que se desenvolvem ao largo das falhas de rochas mais frágeis, paralelas à estrutura ou ao rumo dos estratos de rochas. Acreditava que os sulcos longitudinais se desenvolviam posteriormente aos rios transversais e, por conseguinte, deveriam ser reconhecidos como rios subseqüentes. Estas idéias, como veremos logo, tornaram-se básicas na filosofia do desenvolvimento dos rios. Também reconheceu que aparentemente um curso podia privar a outro de parte de sua bacia mediante um processo que agora denomina-se captura.

Livros de texto que por seu fim se podem considerar geomórficos começaram a aparecer no último terço do século dezenove. Em 1869, Peschel tentou unir os princípios do desenvolvimento das formas do relevo de maneira sistemática, e tentou essencialmente uma discussão genética delas. Richthofen, em 1886, logrou um avanço maior nesta realização. A. Penck, em 1894, publicou sua Morfologia da Superfície Terrestre, que é principalmente um tratamento genético das formas do relevo terrestre. Assim, na Europa. Ao findar o último século, se havia acumulado uma quantidade suficiente de conhecimentos como para dar lugar a um ramo especial da geologia denominado geologia fisiográfica.

Desenvolvimento nos Estados Unidos da América. Zittel (1901) refere-se ao período situado entre 1790 e 1820 como “a idade heróica da geologia”. Bem podemos nos referir ao período entre 1875 e 1900 como “a idade heróica da geomorfologia norte americana”, porque durante este quarto de século se desenvolveu a maioria dos grandes conceitos deste ramo da geologia. Em grande parte estas eram conseqüências diretas ou indiretas do trabalho de um grupo de geólogos relacionados aos levantamentos geológicos do oeste dos Estados Unidos, iniciados depois da guerra civil. Em particular podem ser mencionados três homens, que realizaram trabalhos intelectuais pioneiros no campo geomorfológico. Foram eles o major John Wesley Powel (1834 –1912), Grove Karl Gilbert (1843–1918) e Clarence E. Dutton (1841–1912). Estas pessoas, junto com outras, prepararam coletivamente o fundamento sobre o qual posteriormente William Morris Davis edificaria o conceito de ciclo geomórfico.

Não é demasiado dizer que o major Powel, veterano da guerra civil e o primeiro conquistador dos rápidos traiçoeiros do cañyon do Colorado, sobre a base de seu trabalho nas mesetas do Colorado e dos montes Uinta, estabeleceu os fundamentos para a escola norte americana de geomorfologia. Davis ao descrever as contribuições de Powel, manifestou que em mais de um sentido “era um homem de vanguarda dentro da ciência. Sua vida revela o trabalho enérgico de uma personalidade vigorosa e independente, não travada pelos métodos tradicionais e não tão profundamente versado em história, nem no conteúdo e nas técnicas das ciências, como para ser guiado por eles, mas impelido até o descobrimento rápido de novos princípios por inspiração de regiões até então inexploradas”.

Sobre a base dos seus estudos nos montes Uinta, Powel foi impressionado pela importância da estrutura geológica como uma base para a classificação das formas da crosta terrestre. Dedicou muita atenção aos resultados da erosão fluvial e propôs duas classificações de vales fluviais: 1) baseado nas relações entre os vales e os estratos que cruzam; e 2) uma classificação dos vales de acordo com a sua origem. Nesta última classificação reconheceu vales antecedentes, conseqüentes e sobreimpostos, termos que todavia hoje são empregados amplamente ao descrever vales. Das generalizações de Powel, provavelmente a de difusão mais ampla é seu conceito de um nível limite de redução terrestre, ao que denominou nível de base. Antes de Powel, ninguém havia se aventurado a considerar a esculturação do terreno por chuvas e rios mais além do que hoje denominamos de maturidade avançada no ciclo geomórfico, mas Powel reconheceu que os processos de erosão, que atuam lentamente sobre o terreno, eventualmente haveriam de reduzi-lo a um a terra baixa pouco acima do nível do mar. Ficou para Davis sugerir posteriormente a denominação peneplanície para tal área, mas a idéia de peneplanície foi antecipada em grande parte por Powel. Além disso, reconheceu que as grandes discordâncias nas rochas do Grand Cañyon do Colorado registravam períodos geologicamente antigos de erosão terrestre. Powel também notou as diferenças geomórficas entre as escarpas resultantes da erosão e produzidas por deslizamentos de rochas (escarpas de falhas, como se denomina hoje em dia). Reconheceu que os divisores de águas migram, mas ficou para Gilbert dar-se conta cabal de todas as conseqüências deste fato.

G. K. Gilbert merece reconhecimento como o primeiro geomorfólogo verdadeiro produzido nos E.U.A. Ainda que suas crenças fossem universais, estava interessado antes de tudo na geologia fisiográfica. A ele somos devedores por sua aguda análise dos processos de erosão subárea e as numerosas modificações que os vales sofrem à medida que os rios erosionam o terreno. Reconheceu particularmente a importância da erosão lateral dos rios no desenvolvimento dos vales. Seus estudos dos entulhos hidráulicos de mineração, na Califórnia, representaram uma das primeiras tentativas de aproximação quantitativa das relações entre a carga de um rio e fatores tais como volume, velocidade e gradiente do mesmo. Sua interpretação da história pleistocênica do Lago Bonnevillle, o antecessor do Grande Lago Salgado, a partir de um estudo de suas linhas de margens e desagues, perdura como um dos clássicos da geologia norte americana. Igualmente famosa é sua explicação dos Montes Henry, em Utah, como resultado da erosão de corpos intrusivos, aos quais denominou lacólitos. Foi o primeiro a citar provas geomórficas a origem de um bloco de falha da topografia da região da Grande Bacia.

Dutton é lembrado especialmente por sua análise penetrante das formas terrestres individuais e seu reconhecimento de evidências de um período de redução terrestre que precedeu a incisão dos canyons presentes, quando a paisagem havia sido reduzido a um relevo baixo na área da meseta do Colorado. Esta época erosiva foi denominada de “a grande denudação”

Davis – “o grande definidor e analista”. O efeito de W. M. Davis (1850–1934) sobre a geomorfologia foi maior do que a de qualquer outra pessoa. A escola davisiana de geomorfologia e a escola norte americana são denominações praticamente sinônimas. Basicamente, Davis foi um grande definidor, analista e sistematizador. Antes de seu tempo, a descrições geomórficas se faziam em sua maioria em termos empíricos. Ainda mais importante do que os numerosos conceitos novos que ele introduziu está o fato de que inspirou vida nova à geomorfologia pela introdução de seu método genético de descrição das formas do terreno. Provavelmente seja lembrado mais pelo seu conceito de ciclo geomórfico, uma idéia talvez vagamente vislumbrada por Desmarest, cuja análise mais simples inclui o conceito de que na evolução das paisagens há uma seqüência sistemática de formas do relevo que torna possível o reconhecimento de estados de desenvolvimento, uma seqüência que ele denominou de juventude, maturidade e velhice ou senectude. Sua idéia de que as diferenças nas formas da crosta são em sua maioria explicáveis em termos de diferenças na estrutura geológica, processos geomórficos e estado de desenvolvimento, arraigou firmemente no pensamento da maioria dos estudiosos das formas do relevo.

Durante a terceira e quarta décadas do século vinte, Walter Penck e seus discípulos levara a cabo uma rebelião contra algumas das idéias de Davis, encontrando alguns adeptos. Na maior parte do seu desenvolvimento da idéia de ciclo geomórfico, como este é afetado pela água corrente, Davis supôs que um levantamento inicial relativamente rápido do terreno pode ser seguido por um período de estabilidade, o qual permite ao ciclo seguir seu curso, culminando com a redução do terreno a uma condição quase sem relevo. Penck e outros sustentaram que esta não é uma seqüência normal, mas que mais comumente o levantamento do terreno no começo de um período de ascensão é extremamente lento, sendo seguido por um grau acelerado de soerguimento, o qual impediria a paisagem de passar através dos estágios de desenvolvimento que terminariam numa região de relevo baixo. Vários geólogos norte americanos, particularmente os da “faixa móvel” da costa do Pacífico, têm sido céticos com respeito à suposição de que a superfície terrestre alguma vez tenha se mantido estável por tempo suficiente como para permitir a um ciclo proceder sua conclusão.

Apesar da objeções que tem surgido a algumas das idéias de Davis, na realidade não se pode negar que a geomorfologia provavelmente conservará sua marca por mais tempo que a de qualquer outra pessoa.

Fenneman (1939) descreve brevemente as diversas etapas pelas quais tem passado o pensamento geomórfico nestas palavras:

O entendimento do trabalho da chuva e da água corrente pode ser considerado em três etapas, ou quatro, se contamos a concepção primitiva das “serras perpétuas” que ainda hoje domina o pensamento de muitas pessoas… Seguiram três avanços: primeiro apareceu o simples fato universal da degradação tal como era conhecida por algumas pessoas do mundo antigo e outros até o século dezoito. Logo veio a proposição audaciosa de que os rios cavam seus próprios vales. Parece muito simples, mas significa que a topografia é principalmente esculpida e não edificada (isto é, é talhada e não levantada). Alguns gregos, romanos e árabes perceberam isto, e James Hutton, que faleceu em 1797, o compreendeu claramente. Seu amigo e intérprete, John Playfair, o expressou numa prosa ainda não superada, embora fosse algo nebuloso para Lyell ou para nós. Até então no mundo geológico (até onde o soubemos) este princípio não deixou de ser discutido desde o tempo da guerra civil. A duras penas pode ocupar seu lugar entre os dados fundamentais da ciência quando chegou a terceira etapa, na qual a água em movimento não atua ao acaso, esculpindo vales ao azar e deixando colinas distribuídas de maneira fortuita, mas que trabalha de acordo com um padrão cujas especificações são características como as costuras de um nautilo [molusco do oceano Índico] ou a nervura de uma folha. Esta é a etapa da fisiografia moderna ou geomorfologia.

Certamente Davis desempenhou o papel principal na consecução desta última etapa.

Deste resumo do desenvolvimento da idéias geomórficas sobressaem duas coisas. A primeira, é que podemos denominar o elemento tempo. Muitas idéias deixaram de ser aceitas no momento de ser propostas porque estavam “adiantadas em relação ao seu tempo”. Como exemplo disto, podemos tomar os vários séculos que precederam a Hutton. Várias pessoas (Palissy, Perrault, Buffon, Desmarest e outros) tiveram os germes da idéias modernas, mas suas idéias não puderam ser levadas a uma conclusão lógica ou esperar um auditório disposto a recebê-las embora o “clima intelectual” da época fosse desfavorável. A aceitação da capacidade dos processos erosivos para modelar a superfície terrestre foi impossível enquanto se considerasse a idade da Terra como de uns 6.000 anos aproximadamente. Até que nascesse o método indutivo com sua dependência da observação e da experimentação antes que de autoridade reconhecida, idéias semelhantes às sustentadas por Hutton não tiveram muita possibilidades de ser tomadas a sério.

Segundo, podemos notar que, embora comumente atribuímos algum conceito novo a uma pessoa, encontramos que quase sempre o trabalho básico tem sido realizado por outros, que na maioria dos casos não recebem o crédito merecido. Pode ser conveniente pensar que o desenvolvimento do pensamento geológico é devido a uns poucos homens, mas não devemos perder de vista que na realidade é o resultado da contribuição de inúmeros indivíduos.

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