GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE
Francisco
Mendonça
(Contexto,
1993)
RESUMO
1. A EMERGÊNCIA DA
TEMÁTICA AMBIENTAL NA ATUALIDADE
Importância
da temática ambiental na atualidade – 3 fatores:
I. O
Caos da Qualidade de Vida da População:
· Duzentos
anos de industrialização, produtividade de bens materiais e consumo acelerado;
· Desrespeito
à dinâmica da Naturezaâconsiderável
degradação do meio ambienteâqueda
da qualidade de vida da população;
· A
queda da qualidade de vida da população é maior onde a população se aglomera: nos centros urbanos;
· Contradição:
queda da qualidade de vida quando é maior o progresso da ciência e da técnica.
II.
O Alarmismo da Mídia:
· A
mídia valoriza (alarmismo) as catástrofes, mesmo sendo processos naturais, tais
como terremoto, vulcanismo, etc. tratando-os como sobrenaturais;
· É
preciso esclarecer que “a noção de acidente, catástrofe, castigo, etc. é de
ordem sobretudo humano-social” e que se tornam importantes para a sociedade
quando “ameaçam áreas habitadas ou de importância econômica”;
· Muitos
destes problemas são agravados em função da falta de planejamento dos
assentamentos humanos – “supervalorização do planejamento econômico em detrimento
do planejamento social”;
· A
mídia deve perceber que ciência e a técnica já livraram a humanidade “da simples
condição de vítima da natureza”;
· Apesar
de certos equívocos a mídia tem contribuído para divulgar a questão ambiental.
III.
O Papel das Ciências, das Artes e da Atividade Política.
São
abordagens, obviamente, diferentes:
a) Ciências:
faz parte de sua própria origem, dependendo do momento; difere da abordagem
feita pela mídia;
b) Artes:
a natureza como inspiração dos artistas (contemplação); os artistas (engajados)
passaram a denunciar as agressões da sociedade contra a natureza; contribuem
para a conscientização da problemática ambiental.
c) Atividade
política: atitude desprezível e demagógica; utiliza a
temática ambiental com fins eleitoreiros, sem conhecer profundamente a questão
e sem Ter compromisso real com a causa; não há uma cobrança mais direta da
sociedade; deve-se reconhecer os esforços de uns poucos políticos, mas os
“verdes” ainda são minoria.
2. O AMBIENTALISMO
GEOGRÁFICO DE CUNHO NATURALISTA (PRIMEIRO MOMENTO)
Como
o meio ambiente é tratado pela geografia:
A)
Primeiro Momento - Naturalismo ( séc. XIX até meados dos anos 50/60):
·
Meio
Ambiente: descrição do quadro natural do planeta
(relevo, clima, vegetação, hidrografia, fauna e flora dissociados do homem ou
de qualquer sociedade humana);
·
Descrições detalhadas dos lugaresâ
tentativa de sistematizaçãoâinfluência
positivista;
A ORIGEM DA
GEOGRAFIA MODERNA: A BASE NATURAL-SOCIAL:
·A Geografia é a única ciência que,
desde sua formação se propôs a estudar a relação homem-meio;
Os fundadores da Geografia, Humboldt
(naturalista) e Ritter (filósofo e historiador) objetivaram compreender os
diferentes lugares através das relações da natureza (aspectos físico-naturais)
com os homens (aspectos humano-sociais) desde o início;
·
Biologia e Ecologia (com início nos
anos 30), por exemplo, dissociaram o Homem da Natureza.
GEOGRAFIA
DA NATUREZA E GEOGRAFIA DA SOCIEDADE
A contribuição científica dos grandes geógrafos:
·
RATZEL: produziu uma descrição dos
lugares onde o natural e o humano se apresentavam dissociados, e tentou
explicar o determinismo dos lugares sobre os homens como forma de escamotear a
dominação cultural;
·
LA BLACHE: opôs-se a Ratzel, mas
também escamoteia a intenção de dominação dos povos brancos sobre os demais;
além da abordagem regional, acentua a separação entre elementos físico-naturais
e elementos humano-sociais das paisagens. Para ele, o meio físico era apenas um suporte para o desenvolvimento
dos grupos humanos.
·
DE MARTONNE: discípulo de La Blache,
aprofunda a abordagem dos elementos naturais das paisagens e desenvolve o que
ficou conhecido como geografia física.
Esta passou a tratar da questão ambiental; além disso, na sua obra máxima, o Tratado de Geografia Física, os
sub-ramos da geografia física estão separados como se fossem gavetas incomunicáveis
entre si.
A
TENTATIVA AMBIENTALISTA DE RECLUS
·
No final do séc. XX, E. Reclus tenta
produzir uma Geografia de cunho ambientalista, unindo a militância política a
uma pretensa ciência-ponte entre o homem e a natureza;
·
Devido a força do positivismo, sua
obra só foi editada nos anos 60 do séc. XX;
·
Foi uma grande chance de
aprofundamento na questão ambiental perdida pelos geógrafos, que não souberam
aproveitar a genialidade de Reclus;
·
Polêmica:
para os defensores da “Geografia Radical”, a geografia física (dissociando
natureza e sociedade) não era geografia (o autor considera esta postura absurda
porque os radicais esquecem que este conhecimento é produto de sua época, assim
como a “Geografia Radical”).
GEOGRAFIA
FÍSICA: GEOGRAFIA AMBIENTAL?
·
Nos anos 50, com o surgimento da nova
geografia a geografia física se revitaliza com o neopositivismo;
·
A natureza recebe um tratamento
modelístico-matemático, influenciado pela teoria dos sistemas;
·
Anos 60: o geossistema de V Sotchava
surge como abordagem metodológica, porém ainda impregnado de positivismo.
Avança ruma a abordagem ecossistêmica;
·
A New Geography dos norte-americanos,
desprezam/desconhecem a abordagem de Sotchava e matematizam/quantificam a
geografia, por influência da informática que surgia então;
·
Os pioneiros da geografia que lançaram
as bases do estudo do meio ambiente no Brasil: Aroldo de Azevedo, Lysia
Bernardes, Dora de A. Romariz e outros.
·
Meio
Ambiente: a natureza do planeta com todos os seus
elementos componentes.
3. AS
CONTINGÊNCIAS MUNDIAIS PARA A ECLOSÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO SÉC. XX
Análise
de eventos que irão facilitar a compreensão do período dos anos 40/60:
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
·
Revelou o poder de destruição dos
artefatos bélicosânecessidade
de paz;
·
A população que sobreviveu ao conflito
teve que recuperar as áreas degradadas;
·
Daí nascem, de forma lenta e gradual,
as primeiras iniciativas de garantir a paz (mov. pacifistas) preservar o meio
ambiente (mov. ecológicos);
A
GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS CAPITALISTA E SOCIALISTA: O IMPERIALISMO
·
Quatro décadas de Guerra Friaâ
equilíbrio do terror;
·
O mundo socialista tratou muito mal da
questão ambiental(quando livro foi escrito pouca coisa havia sido divulgada),
porém só recentemente o mundo descobriu isso após a queda da “Cortina de Ferro”
(e do Muro de Berlim);
·
A agressividade das multinacionais na
conquista do mundo globalizado, exploram homens e recursos naturais sem a
mínima preocupação com o meio ambiente, salvo em raras exceções;
·
Diante deste quadro é fácil deduzir
que o meio ambiente, principalmente dos países em vias de desenvolvimento,
atingiram um elevado grau de destruição/degradação.
A EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA
·
Os anos 60 e 70 foram marcados por uma
alarmante explosão demográfica, principalmente nos países de Terceiro Mundo;
·
Causas: desenvolvimento da medicina e
da farmacoterapia, aliadas com as disparidades regionais na distribuição da
renda;
·
Este episódio serviu, entre outras
coisas, para demonstrar que os recursos naturais são finitos;
·
A partir desta constatação, muitos
estudiosos passaram a calcular quanto milhões de seres humanos o planeta
poderia suportar, elaborando diretrizes e propostas para contornar a situação,
sem, no entanto, tratar da questão da distribuição da riqueza.
SECA/FOME/DESERTIFICAÇÃO NA ÁFRICA
·
Anos 60 e 70 foram muito difíceis para
a África, principalmente para os habitantes das bordas do Saara (o Sahel): uma grande seca abateu-se sobre esta região;
·
Além das implicações de ordem natural,
deve-se observar o aumento da população humana e de suas manadas pressionando
fortemente o frágil ecossistema local;
·
O problema africano serviu para
denunciar o agravamento das condições de subdesenvolvimento e pressão sobre o
meio ambiente.
MOVIMENTOS SOCIAIS GERAIS
Marcaram os anos 50 e 60,
ligados a ação dos jovens e dos estudantes e, por conseguinte, preocupados com
o meio ambiente. Dentre eles, destacam-se:
·
Movimento hippie:
marcou pela forma de contestação à sociedade eletrônica – a volta do homem ao
convívio com a natureza (alimentação natural, vida no campo); culto ao espírito
em vez da matéria;
·
“Maio de 1968”:disseminou
um ideal de liberdade e participação organizada entre os jovens; democratizou o
ensino superior, principalmente na França (no Brasil a ditadura embruteceu);
·
Realização da Primeira Conferência
Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Estocolmo – 1972) – primeira
tentativa de equacionamento dos problemas ambientais (sinal de que a questão
ambiental era preocupante);
·
A realização da Rio–92 foi uma
demonstração clara do malogro da Conferência de Estocolmo: a natureza estava
sendo destruída num ritmo cada vez maior;
·
A escolha do Rio de Janeiro: cenário
social municipal e nacional degradados, conflito Norte/Sul bastante evidente, ondas de seqüestros e
epidemias além do tráfico de drogas na cidade quase inviabilizam o encontro;
·
A participação de alguns países foi
lastimável, sendo os EUA o maior/pior exemplo (não assinou o Acordo
Internacional da Biodiversidade – Pres. George Bush, pai);
·
Poucos avanços em relação a Estocolmo.
A
ABERTURA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: O SALTO QUALITATIVO DA GEOGRAFIA
·
Após o Maio de 1968 o positivismo é
superado;
·
Os professores que apoiaram as
manifestações foram, também, expoente de novas concepções teórico-metodológicas
nas ciências, destacando-se o marxismo;
·
No âmbito da geografia destaque para
Yves Lacoste e sua obra revolucionária: A
Geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra, rompendo de vez com
o positivismo. Acusou os geógrafos físicos de atrasados em relação à evolução
de sua ciência e de estarem fazendo a geografia da dominação.
4. AMBIENTALISMO
GEOGRÁFICO ENGAJADO NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE (SEGUNDO MOMENTO)
A NOVA ABORDAGEM DO MEIO AMBIENTE
·
Nos anos 60, 70 e 80, o marxismo
trouxe um grande impulso ao estudo da sociedade, isto é, fortaleceu a geografia
humana em detrimento da geografia física;
·
No entanto, preocupada com a ação do
homem sobre o espaço à luz da relações sociais, a geografia radical
esqueceu/empobreceu o temário do meio ambiente.
AS LIMITAÇÕES DO MARXISMO NA ANÁLISE AMBIENTAL
·
A geografia humana foi o “carro-chefe”
da geografia marxista;
·
Sua proximidade com a sociologia,
história e economia política empobreceu o discurso geográfico ao menosprezar os
componentes do meio físico;
·
A dialética marxista é incapaz de
enfocar os fenômenos naturais em sua dinâmica. A natureza é vista apenas como
recurso para o homem;
·
Na proposta marxista, o ambiente deve
ser entendido segundo a lógica do sistema de produção social e, desta forma,
abordado dentro de uma análise mais globalizante;
·
A abordagem
sistêmica tem sido o caminho mais utilizado pelos geógrafos físicos para o
desenvolvimento dos seus trabalhos.
UMA NOVA VARIÁVEL NA PAISAGEM DO GEÓGRAFO FÍSICO:
A AÇÃO ANTRÓPICA
·
Toda essa movimentação mexeu demais
com os geógrafos físicos;
·
Aos poucos foram aparecendo trabalhos
em que a dinâmica natural da paisagem interagia com as relações sociais de
produção;
·
Renasce o conceito de geossistema de
Sotchava, acrescido do componente ação antrópica;
·
Destacaram-se nesta linha: Georges
Bertrand (noção de paisagem dos alemães), Jean Tricart (Ecodinâmica e
Ecogeografia) e Jean Dresch;
·
Os geógrafos, acima referidos,
exerceram forte influência na geografia brasileira, principalmente sobre Aziz
Ab’Saber, C. A. de F. Monteiro e Orlando Valverde.
·
Alguns geógrafos, como Dirce
Suertegaray, acreditam que o futuro da geografia física se dará sob o enfoque
ambiental;
·
Outros acreditam que o fim da
dicotomia geografia física/geografia humana ocorrerá (finalmente?) com a
geografia da percepção/topofilia;
·
Segundo M. C. de Andrade, esta
corrente da geografia “transfere ao individual, ao pessoal, muitos dos
problemas considerados por outros grupos como sociais. Ela não é contestatória
frente à ordem dominante.”;
·
Para a Topofilia, o meio ambiente é
visto como um recurso a ser utilizado e, ao mesmo tempo, protegido, numa
atitude de respeito, conservação e preservação;
·
A Constituição Federal de 1988 ao
exigir a elaboração de EIAs/RIMAs para a implantação de atividade produtivas,
abriu um amplo leque de trabalho para os geógrafos que estudam a questão
ambiental;
·
O desenvolvimento de novas tecnologias
como o emprego da informática e do
sensoriamento remoto, tem trazido grande rapidez e eficiência ao trabalho dos
geógrafos físicos.
5. POR UMA
ABORDAGEM HOLÍSTICA DA TEMÁTICA AMBIENTAL
·
O autor que deixar claro que a
geografia é uma das muitas ciências
que aborda a questão ambiental e que a compreensão desta problemática passa
necessariamente por uma visão interdisciplinar;
·
Somente ações desenvolvidas com
caráter holístico podem apresentar resultados satisfatórios à problemática
ambiental;
·
Carlos W. P. Gonçalves chega a propor
uma revisão do termo meio ambiente para
ambiente ou meio, apenas;
·
Herbert de Sousa : a questão ambiental
por vez esquece que o homem também
faz parte do meio. Para o sociólogo, ante de se falar de meio ambiente no Terceiro
Mundo, é preciso resgatar um mínimo de dignidade para a população, senão o âdiscurso
cai no vazio;